terça-feira, 27 de julho de 2010

Quando você acha que já viu de tudo...

Quando você decide ir trabalhar em um dos países mais pobre do mundo, você acredita que viu de tudo. Mas não é bem por aí.

Estou trabalhando em uma obra com quase 3500 integrantes. É a primeira obra de grande porte que estou atuando. Orgulho né! Às vezes fico pensando como sou privilegiada de ter esta oportunidade. Aqui tudo é mega, gigante. Mas aí que mora o perigo. Quando o negócio é grande, os problemas também são.

Os problemas que via em Angola eram ingênuos - gente passando fome, de pessoas que não tomavam banho todos os dias por falta de água, essas coisas.

Aqui os problemas são diferentes. Vou explicar. Estou eu quietinha no meu canto quando escuto um ser dizendo o seguinte – Mataram um funcionário nosso... Já me deu um frio básico na barriga. Olhei pro lado e vi a assistente social pegar no telefone. Levantei e percebi pelo olhar das pessoas que o negócio era sério.

Era verdade. Um dos funcionários tinha sido morto a facadas por outro funcionário. Tudo bem que foi fora da obra e longe dos alojamentos, mas mesmo assim. Começou o caos.

Como ligar para a mãe do rapaz de 24 anos e dizer que ele estava morto? Como agir? Fiquei na porta da sala do serviço social quietinha esperando sem saber bem o que fazer. A assistente social daqui é “trecheira nata”. Pegou no telefone e ligou pra casa do rapaz, lá no interior da Bahia. A mãe estava sozinha e tem problema de coração. Não podíamos contar assim. Chegamos a uma irmã que mora em São Paulo. Ela teria que vir para Curitiba para reconhecer o corpo e tirar do IML. Não foi falado a ela que ele havia falecido no primeiro telefonema. Seu irmão entrou em uma briga e está em estado grave. É bem grave. Disse a assistente social. Pedimos que ela acalmasse a mãe e partisse para Curitiba no primeiro vôo.

Isso era umas 15h00. Hora de ligar para o seguro, acionar auxilio funerário (isso merece outro post), arranjar um vôo para levar o corpo e esperar a irmã chegar.

21h00 estávamos no aeroporto com uma plaquinha esperando pela pessoa. Ela abatida já sabia que o irmão havia falecido. Fomos direto para o IML. Burocracia e frieza são características básicas do local. Nada de ver o corpo. Primeiro mil papéis para assinar. Tínhamos que providenciar a certidão de óbito antes de qualquer coisa.

23h30 a irmã entra para reconhecer o corpo. Ninguém pode acompanhar, mas conseguimos burlar esta regra. Momento de tensão. Ela volta revoltada, chorando muito. Ninguém acredita até ver que realmente a pessoa está morta.

24h00 chegamos à delegacia. O frio era de matar. Os termômetros estavam marcando 2 abaixo de zero. Precisávamos pegar a declaração de liberação do corpo para que ele pudesse viajar. 2h00 estávamos no cartório. Ninguém queria nos atender. Sem a autenticação do cartório todo o trabalho seria em vão. 4h00 estávamos de volta ao aeroporto. Como carga, o corpo embarcou. Saímos de lá quase 5h30. Foi o tempo de ir em casa, tomar banho e voltar ao trabalho.

O corpo chegou em Vitória 11h00. A irmã ligou aqui querendo matar um. Disse que o caixão não era o que ela escolheu. Estávamos tão cansadas que nem discutimos. Hora de trocar a urna e seguir viajem. 19h00 o corpo chegou a seu destino. Ufa... missão cumprida. Podíamos ir para casa dormir.

Ai vem a frase – quando você acha que já viu de tudo, espere! Algo vai te surpreender!

Um comentário:

Meggie disse...

Nossa Carol, realmente... Baita trincheira isso ai hein!! Mais uma que você aprende e compartilha conosco. Estou adorando que você tenha voltado a escrever!! Muito mesmo! Saudades.